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terça-feira, 11 de outubro de 2011


CRIANÇA E ADOLESCENTE: UMA NOVA CONCEPÇÃO
Na história geral da criança podemos perceber três grandes tendências nas relações dos adultos com os pequenos.
Podemos dizer que houve uma etapa em que predominou um olhar sobre a criança como um "adulto em miniatura". O pensamento pode ser assim resumido. "Ela tem tudo o que o adulto tem, ela pode tudo o que o adulto pode. Seu único defeito é ser pequena . Vamos então propiciar o seu crescimento vestindo-a como adulto, exigindo dela comportamento de adulto, forçando-a a crescer, terminando assim o mais breve possível com o mal de ser criança..."
Com as descobertas psicológicas das características próprias da criança, houve o reconhecimento das peculiaridades do período de crescimento e da diversidade qualitativa do comportamento infantil. A criança não é só quantitativamente diferente do adulto em relação ao físico, ao psíquico, não é só uma questão de tamanho, de tempo de vida. A criança vive uma diferença biológica, no desenvolvimento do organismo, do seu corpo, dos seus órgãos - E a criança é psicologicamente diferente do adulto.
Isto trouxe consequências no modo de tratar a criança. Se, na primeira tendência, prevalecia uma maneira rígida, exigente de tratar a criança, a segunda trouxe exageros ao considerar a criança como menor, no sentido de incapaz, de objeto de tutela, de proteção. O adulto, a sociedade, deve decidir pela criança, porque ela é menor.Isto teve reflexo também nas leis e no imaginário das relações sociais.
A primeira tendência fortaleceu práticas repressivas e criminalizadoras. As ações divergentes das crianças e adolescentes devem ser tratadas com dureza, e as leis devem ser severas.
A segunda tendência sustentou leis cuja finalidade era tirar a criança da chamada "situação irregular". A criança sem escola, sem família, sem atendimento de saúde, ficaria sob a tutela, a guarda, a proteção do juiz de Menores, que então decidiria o que fazer. E este Juiz, todo-poderoso, em nome da sociedade que se via incomodada com esses menores "fora de lugar", deliberava "em favor das crianças", suas protegidas. Mas esta ação se mostrava inadequada quando tirava as crianças de sua comunidade de origem, afastando-as da família e colocando-as em grande instituições onde estariam "protegidas", onde receberiam tudo pronto, onde continuariam menores, incapazes, alienadas.
Na realidade, estas duas tendências se mesclaram, provocando mais marginahzação e revolta. Em muitas situações só restaram duas alternativas para meninas e meninos: submeter-se ou rebelar-se violentamente. Nas duas hipóteses os prejuízos para a vida das crianças e adolescentes foram muito grandes.
Brota vigorosa neste final de milênio uma terceira tendência, gestada durante séculos.
Nós temos a alegria de participar deste nascimento histórico. Esta tendência faz uma síntese destas duas posições opostas e parcialmente falhas. Supera-as e reconhece que a criança é uma pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Esta visão, fruto de um humanismo profundo, de práticas educativas no mundo todo e das descobertas e estudos mais recentes, está consagrada na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em artigos importantes da nossa Constituição e, sobretudo, no Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta tendência pode também ser chamada de Doutrina da Proteção Integral.
Analisemos a grande afirmação: A CRIANÇA É UMA PESSOA EM CONDIÇÃO PECULIAR DE DESENVOLVIMENTO.
A criança é PESSOA, é cidadã, tem voz, tem vez, tem uma visão da realidade, tem uma palavra a dizer sobre ela mesma, sobre os outros e sobre o mundo; palavra que deve ser ouvida, levada em conta, valorizada. Precisamos dar-lhe um lugar, tratá-la com dignidade e respeito, seja qual for a sua situação atual.
A criança é uma pessoa em CONDIÇÃO PECULIAR, isto é, em condição especial, particular, diferente, de DESENVOLVIMENTO. Ela é completa, pronta, acabada enquanto criança, enquanto adolescente, enquanto jovem (condição peculiar), mas, em relação ao adulto, está em desenvolvimento.
Esta característica de desenvolvimento não deve ser, porém, motivo para ficar apenas subordinada, dependente. Mas, ao contrário, lhe dá uma série de DIREITOS. A criança tem direíto de ser educada, ou seja, de receber orientação, conselhos, instrução, capacitação; tem díreíto aos cuidados de saúde porque o seu organismo está ainda em formação, em crescimento, em desenvolvimento, o que por vezes lhe causa crises, mal- estar, dificuldades, que exigem compreensão e ajuda, e não castigo e repreensão; tem direito de ser amada, estimulada a viver e enfrentar a existência, as dificuldades da convivência; tem direito ao fazer, direito de ir e vir, de se profissionalizar, de produzir no trabalho de acordo com sua idade; tem direito de ser acolhída, sobretudo quando lhe faltam as condições fundamentais para sobreviver, isto tudo sob a proteção familiar e comunitária. Familia e Comunidade são os primeiros direitos de uma criança.
Então, o atendimento à criança passa pelo atendimento de seus direitos, que devem ser garantidos primeiramente nas políticas públicas postas em execução através do dinheiro púbhco arrecadado nos impostos. Quem deve controlar isso são os Conselhos de Direitos em âmbito municipal, estadual e nacional. Depois, para aquelas crianças cujos direitos não foram atendidos por ação ou omissão da sociedade e por impossibilidade, ação ou omissão da família (e, em se tratando de crianças, nos casos de conduta), o Conselho Tutelar aparece para garantir tais direitos.
Não compete aqui falar sobre os Conselhos, nem sobre a gestão pública, mas não posso deixar de acentuar que todas essas instâncias, assim como a própria família, a escola, a oficina de produção, os responsáveis por instituições, têm que ter presente no seu modo de tratar a infância esta nova concepção da criança e do adolescente como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, como sujeitos de direitos e não objetos de decisões de outros. Sendo assim, a criança deve fundamentalmente ser ouvida quando se tomam decisões a seu respeito. Deve-se (primeiramente) salvar seus vínculos familiares, suas raizes comunitárias, através do apoio sócio-familiar previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É preciso procurar garantir-lhe uma família substituta quando o relacionamento com sua famfiia de origem faltar por completo e, finalmente é preciso ter ambiente de família, de respeito, de acolhida real, na casa-abrigo, no centro comunitário, na oficina profissionalizante, onde quer que se abra espaço para realizar qualquer processo pedagógico. É melhor não se pôr a cuidar de crianças e adolescentes se não se tem condições de agir de acordo com a concepção renovada que esta terceira fase da história da criança propõe.
Demos grandes passos no reordenamento jurídico. Temos já leis que nos garantem um rumo, que são um verdadeiro manual de como agir. Precisamos agora reordenar as nossas instituições e atingir a necessária melhoria no atendimento de nossas crianças. Trata-se de um mutirão, de um trabalho integrado e articulado para se atingir a totalidade das mediações que têm a ver com a infância e a adolescência. É um verdadeiro credo, um compromisso que precisamos assumir: de nos capacitar para pôr em prática esta nova concepção, esta nova filosofia. A criança é pessoa, é cidadã, tem voz e precisa ser ouvida.
1 ponto: é preciso dialogar com a criança, raciocinar com a criança, ouvir suas razões e fazer propostas. Convencê-la do que achamos que deva ser melhor, não impor, persuadir, não exigir sem argumentos. Não valem as frases: "Faça isto porque eu quero", "Você tem que obedecer", "Eu mando", ou equivalentes. Nem os pais, nem os professores têm o direito de fazer assim, nem a segurança, nem o juiz, nem o futuro membro do Conselho Tutelar. Vamos aprender a conversar, a ouvir e a falar, a entender, a compreender e a propor. Nossa força pedagógica é muito mais força moral, força de argumentos de convencimento, impacto, credibilidade e legitimidade pelo vigor e verdade das relações estabelecidos.
2 ponto: precisamos aumentar as retaguardas que permitem à criança não perder seus vínculos familiares. Não se atende à criança ou ao adolescente isoladamente. É preciso olhar seu grupo, suas referências, sua família, ainda que incompleta, as pessoas, enfim, que lhe são significativas. Se ela não tem ninguém, é preciso que crie um laço afetivo significativo e estável com alguém.
Esta questão é séria, envolvente, refere-se à cidade como um todo, ao país. Urge articular-se um programa com outro, municípios e Estados entre si, para possibilitar a permanência ou o retomo da criança e do adolescente não-atendidos em seus direitos, a seu núcleo fundamental. Este é o "bê-a-bá", é a dimensão fundamental.
3 ponto: aparecem então no horizonte do candidato a membro do Conselho Tutelar todos os outros direitos que precisam ser atendidos um a um: saúde, educação, documentação, profissionalização. Conselho Tutelar, Conselho Municipal, instituições e serviços públicos devem trabalhar integrados e o Conselheiro precisa ser um perito em encaminhamento, com paciência histórica para ouvir várias vezes a mesma coisa, para saber que não terá retorno imediato para suas decisões. Não pode perder a capacidade de se indignar com a privação de direitos e não pode perder a esperança da utopia, que é ver todas as crianças com família, escola e saúde, brincando nas praças, trabalhando nas oficinas, tendo sempre um adulto como retaguarda e uma cidade inteira para as acolher.
"Aqui amamos nossas crianças" está escrito (ouvi dizer) na entrada da cidade de Ipameri-GO, onde não há crianças nas ruas, sem escola ou pedindo esmola. Sala do Conselho Tutelar - Sala de esperança, da alegria, de um grupo transpartidário, transideológico de amigos colaboradores. Amigos das crianças e lutadores por um direito de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento.
Demo-nos as mãos... Salvemos o mundo pela criança, para a criança - prioridade absoluta.
Ir Maria do Rosário Leite Cintra

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