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SINCRETISMO: significados e nuanças

            A origem do termo grego synkretismós não é propriamente religiosa. A primeira citação que se conhece da palavra é da obra do escritor Plutarco (Moralia) e é usada para “designar a coalizão de comunidades normalmente em conflito entre si, na ilha de Creta, para a defesa contra inimigos comuns do exterior”[1]. Este termo passou para a língua latina e daí para as neolatinas porém já com uma conotação religiosa, ou seja, para designar junções de sistemas religiosos originariamente distintos. Usava-se isto não de uma forma genérica, mas especificamente para designar a fusão de elementos religiosos orientais com as religiões greco-romanas. No médio oriente anterior ao apogeu do império romano e mesmo sob este houve um grande processo claramente sincrético de elementos de diversas religiões que por causa justamente da proximidade das culturas criada pelos grandes reinos (por exemplo o de Alexandre Magno). Este intercâmbio teve também claramente elementos religiosos. Em outras partes do mundo se conhece já desde a antigüidade grandes fusões sincréticas, como é o caso do taoismo, confucionismo e budismo na china, do xintoismo e budismo no Japão.
Para a ciência da religião o termo sincretismo é usado apenas para designar o fenômeno da amálgama de elementos religiosos. É um termo de uso neutro para classificar processos ocorridos entre as religiões. Ou seja, para a ciência da religião, o termo sincretismo não é carregado de qualquer colorido positivo ou negativo.
Já na tradição cristã a palavra tem sido usada de forma negativa: sem querermos analisar muito a fundo a utilização da palavra, dou apenas o exemplo dos documentos de Puebla e de Santo Domingo. Em Puebla usa-se o termo três vezes, em todas elas em um sentido claramente negativo. Puebla 342: falando da evangelização na América Latina, afirma o documento que “no entanto constatamos que nem sempre ela chega à sua maturidade, e está ameaçada pela pressão secularista, pelos abalos provocados pelas mudanças culturais, pelas ambigüidades teológicas existentes em nosso meio e pelo influxo de seitas proselitistas e sincretismos que vêm de fora”. Na segunda citação, o documento lamenta: “Por falta de atenção dos agentes de pastoral e por outros fatores complexos, a religião do povo mostra em certos casos sinais de desgaste e deformação: aparecem substitutos aberrantes e sincretismos negativos” (Puebla 453). Na terceira citação, o documento está se referindo aos aspectos negativos da piedade popular e cita entre outras coisas “... idéia deformada a respeito de Deus; conceito utilitário de certas formas de piedade; propensão, em alguns lugares, para o sincretismo religioso; infiltração do espiritismo...” (Puebla 914). O documento de Santo Domingo faz uma alusão ao sincretismo no contexto do diálogo inter-religioso. Embora a afirmação seja positiva, o significado da palavra sincretismo é negativo. Santo Domingo 138, ao falar das linhas pastorais para o diálogo inter-religioso, afirma a importância de “buscar ocasiões de diálogo com as religiões afro-americanas e dos povos indígenas, atentos a descobrir nelas as ‘sementes do Verbo’, com verdadeiro discernimento cristão, oferecendo-lhes o anúncio integral do Evangelho e evitando qualquer forma de sincretismo religioso”.
Nos documentos de Puebla e Santo Domingo fica clara a referência negativa ao sincretismo. Também fica transparente que não se está falando de sincretismo em teoria, nem em sincretismo com as tradições judaicas, mas claramente o sincretismo com tradições advindas da África ou de novos movimentos religiosos.
Há de se perceber que este uso da palavra sincretismo tem claramente pré-conceitos, ou seja, conceitos anteriores que condicionam as afirmações. Assim pode-se notar nestas afirmações os seguintes pré-conceitos:
Mistura ilícita: um primeiro pré-conceito determinante para esta compreensão negativa do termo sincretismo é que ele é uma mistura ilícita, indevida de elementos religiosos. Ou dito de forma inversa, o “normal” seria não misturar. A mistura é “anormal”.
Pureza: Um segundo pré-conceito é o da pureza. A religião que está recebendo elementos sincretizados, bem que poderia ser exercida de forma “pura”. Isto seria inclusive desejável. Nos documentos de Puebla e Santo Domingo fica muito clara esta idéia. O sincretismo é uma mácula para a pureza religiosa. É preciso haver um esforço para manter a pureza. Sincretismo é sinônimo de impureza.
Decadência: Outro pré-conceito relacionado ao sincretismo visto de maneira negativa é o da decadência. A religião exercida de forma sincrética não é a religião em sua forma genuína, é sim uma decadência. A introdução de elementos espúrios faz com que a religião “clássica”, torne-se decadente. O sincretismo é uma degradação religiosa.
Ignorância: Outro pré-conceito refere-se à explicação do sincretismo. Ele origina-se da falta de esclarecimento. A ignorância religiosa dá espaço ao sincretismo. Uma boa catequese, uma boa instrução é o caminho certo para se prevenir contra o sincretismo.
Elementos “do outro”: há ainda o pré-conceito contra o sincretismo no sentido de estar ele ligado a uma forte idéia de propriedade particular de elementos religiosos. Os nossos elementos estão sendo utilizados (ilegitimamente) pelos outros.

Volney J. Berkenbrock