Bem vindas e bem vindo

O DEUS QUE ESTÁ EM MIM, SAÚDA O DEUS QUE ESTÁ EM VOCÊ

sexta-feira, 20 de maio de 2011

CARTA AO MINISTRO DA JUSTIÇA
“Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão”


Ao Exmo Senhor Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.


             Excelentíssimo senhor ministro, José Eduardo Cardozo, chegou ao nosso conhecimento que o Bispo do Xingu, Dom Erwin Krautler (presidente do Conselho Indigenista Missionário) está sofrendo ameaças de morte devida à sua atuação pastoral nesta região.
               Estas ameaças ocorrem devido a sua posição contrária à construção da hidrelétrica de Belo Monte. Segundo sua análise, tal empreendimento projetado pelo governo federal poderá cortar a água que passa pela área indígena e como os povos indígenas vivem da pesca e se locomovem em barcos e canoas, sem esta água não haverá pesca e nem meio de locomoção. Uma segunda razão apresentada por Dom Erwin diz respeito à cidade de Altamira. Com a construção da hidrelétrica um terço da parte urbana irá para o fundo da água, fazendo que o povo (crianças, jovens, adultos e idosos) sejam prejudicados, pois até o momento eles não sabem o local onde serão reassentados. O pior, é que boa parte dos habitantes da área tem sequer título de propriedade, ou seja, facilita muito que as empresas responsáveis pelo consórcio simplesmente mandem embora este povo e digam, virem-se! Uma terceira razão: Altamira está na margem esquerda do rio Xingu, um rio caudaloso, bonito. É o último resto de paraíso que o Brasil ainda tem. Com a formação do lago, a água invadirá a cidade e ela se transformará numa península.
            O setor energético em Brasília esquece que o bispo e o povo vivem numa região de clima tropical, clima diferente da região sul ou do planalto central. Esse lago será formado com água podre, morta. Será um viveiro para tudo quanto é tipo de mosquito e praga. Vai gerar doenças endêmicas. Altamira já sofre com a dengue, malária e isto tudo vai se multiplicar. Esse povo (considerando todo o povo de Altamira, 100.000 habitantes) irá correr para onde? Por fim, Belo Monte não vai funcionar durante o ano todo. Fala-se que ela vai gerar 11400 MW, mas isso vai ocorrer em apenas alguns meses. No restante do ano vai cair até um quinto do potencial porque o Xingu não tem volume d’água contínuo, depende da chuva, especialmente no verão. Sem água como a usina irá funcionar, já que a água será levada através de um canal aos moldes do canal do Panamá? Para Dom Erwin, o governo está tentando convencer a população de Altamira que outras barragens não serão construídas e sabe-se que isso é um despautério. Existem outras três barragens previstas no Xingu e estas barragens estão previstas no projeto do governo. Os povos indígenas, os migrantes que foram para lá em busca de condições melhores de vida, o povo da Amazônia e o povo brasileiro não merecem isso.
               O bispo Dom Erwin deixa claro que não está contra este projeto, somente por estar contra e também não é contra a hidrelétrica em princípio, mas ele é contra a forma que o projeto engendrou o processo lá na Amazônia e em especial, no Xingu. Da forma que estão sendo desenvolvidas, as obras promoverão um efeito dominó e matará aquele povo. Será um golpe fatal na Amazônia, será a morte do Xingu e dos povos indígenas. As repercussões e consequências serão imprevisíveis e irrevogáveis para todo o Brasil e o planeta Terra.
             A luta de Dom Erwin e do povo já está na esfera legal. O Ministério Público Federal movimenta em torno de 15 processos que ainda não foram julgados e esses projetos mexem exatamente com a inconstitucionalidade deste projeto, em vários pontos. O bispo destaca a questão das oitivas ou audiências nas aldeias indígenas que não foram feitas. Outro aspecto é a violação da Constituição Federal no artigo 176 parágrafo primeiro. Nele é prevista que em caso de reaproveitamento de recursos hídricos que banhem áreas indígenas, é obrigatória uma legislação específica, o que não existe até hoje no Brasil, dentre outras coisas. Essa desgraça pode cair em cima desses povos. E eles, que serão diretamente atingidos não terão sido ouvidos, não tiveram acesso a todas as informações. As audiências públicas foram um mero ritual para inglês ver e cercada por forças de segurança como se fosse uma declaração de guerra. É coisa incrível que o Brasil não sabe, mas Dom Erwin que vive no local sabe.
              A CNBB tem se empenhado muito e é uma das poucas instituições que volta e meia vem a tona e denuncia. Por exemplo, no estado de Mato Grosso do Sul, a CNBB veio a público com toda a sua força, energia e autoridade, denunciar a desgraça vergonhosa que os povos daquele estado estão sofrendo e, certamente a CNBB neste ponto está tentando fazer a sua parte.
           Diante deste contexto que nos chega, e das ameaças de morte que o nosso companheiro Dom Erwin vem sofrendo, pedimos ao excelentíssimo senhor Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, providências a fim de salvaguardar a integridade das pessoas que vivem em Altamira. Que as nossas decisões coloquem Jesus Cristo como centro de tudo e se assim o fizermos, a Vida será defendida.
            Agradecemos por sua apreciação e esperamos por decisões favoráveis ao projeto de Deus, “Vida e Liberdade para Todos” e que os seres humanos e toda a criação Divina tenham vida em abundância.
Dom Erwin Krautler, Bispo do Xingu



Padre Luiz Carlos Toffanelli, fc.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

25 ANOS DA PAIXÃO DO PADRE JOSIMO

“Nas mãos do povo, nas línguas da história: o desafio da nova sociedade. Como se descama o peixe, e com sal lhe devolve o gosto ardente que sacia a fome aguda de quem navega a liberdade, assim os pequenos e oprimidos, em passos de esperança, arrancarão de nossa história o medo e, com palavras vivas de quem luta, canta e clama, nutrirão as entranhas do tempo com o sangue do direito e da justiça. Homens e mulheres, cada ser do universo, construirão o movimento inesgotável da libertação definitiva”. (Desafio, poema de Josimo Tavares).


CARTA ÀS COMUNIDADES

É hora de assumir. Se eu me calar, quem os defenderá?


Irmãos e irmãs de caminhada,

        Convocados pela memória insurgente do nosso irmão maior, Padre Josimo, nos 25 anos da sua Paixão martirial, escrevemos essa Carta desde a cidade de Augustinópolis, no extremo norte do Tocantins. Vimos aqui para celebrar, em espírito de romaria, mais uma Semana da Terra Padre Josimo. Somos agricultoras, agricultores e pescadores, assentados e posseiros, acampados e sem-terra, camponeses, índios e quilombolas, mulheres e homens, jovens e menos jovens, filhos e filhas da terra e da água; somos movimentos e pastorais sociais, agentes de comunidade e pastores. Vimos de todos os municípios do Bico do Papagaio e das regiões vizinhas do Maranhão e do Pará.

    Vimos para partilhar nossas inquietações, alimentar nossos sonhos e reafirmar nosso compromisso pela vida. Em seminário e oficinas, feira camponesa e animada festa na praça com o companheiro Zé Vicente e outros artistas da nossa terra, durante dois dias, estudamos as causas e os efeitos do chamado aquecimento global, identificamos os desafios da construção de uma economia solidária, apontamos para as saídas que nossas comunidades já vêm experimentando e dividimos os bonitos produtos da terra-mãe e da nossa arte cuidadosa.

       Como dar o nome de desenvolvimento a um processo que, tal um rolo compressor abusivamente qualificado de “Progresso”, expande sem limite as monoculturas, tira nossa mata, planta eucalipto, barra rios, inunda nossos assentamentos, invade nossas posses e territórios tradicionais, mata nossos peixes, envenena terra, nascentes e a própria vida, expulsa nossas comunidades e abala o futuro dos nossos jovens, condenando-os a migrações forçadas, perigosas, enganosas, atrás da miragem do consumismo ou das drogas?

       Como chamar desenvolvimento um crescimento insustentável que, esquecendo a vocação universal à dignidade e a promessa de vida em abundância para todos e para todas, esgota os recursos da natureza, reconcentra as terras e, para gerar mais e mais lucro, sacrifica vidas, escraviza trabalhadores, mata rios, florestas, ar e pessoas? Exemplos disso, compartilhamos de sobra:
- é a imposição, a toque de caixa, de grandes projetos como o da Barragem de Estreito ou a anunciada e temida Barragem de Marabá: com o álibi de Audiências Públicas instrumentalizadas, fica desconsiderada a opinião real das comunidades atingidas, instaura-se o terror de ser prejudicado ou até criminalizado por simplesmente dizer “não”, e o medo de perder, em troca de migalhas, a terra duramente conquistada pelos pais;
- é a proliferação da violência, do tráfico, da prostituição de jovens e até de crianças, nas áreas de concentração dos grandes projetos do PAC; é o desastre anunciado de Jirau, Belo Monte e Marabá, bem como a imposição de condições degradantes a milhares de migrantes privados de qualquer alternativa decente;
- é a discriminação de produtos típicos de nossa agricultura e aqüicultura camponesa, como o azeite de babaçu, o mesocarpo, o peixe ou a galinha caipira, na hora de compor os cardápios do Programa nacional de alimentação escolar; é a falta de incentivo e apoio técnico à viabilização de nossas cooperativas;
- é a interiorização do medo, da desconfiança, da perda da auto-estima; especialmente entre os jovens, é a negação ou a vergonha em assumir sua identidade camponesa, por parte de quem se sente discriminado na sua cultura, desprestigiado na sua humanidade e tratado como massa sobrante ou vale-nada;
- é a ameaça constante de ver aprovadas leis que retrocedam e abram mão de garantias e direitos fundamentais, a exemplo da flexibilização em curso do Código Florestal, em favor de grandes proprietários sem compromisso com o futuro da terra e enganosamente escondidos atrás do interesse dos pequenos;
- é a migração sofrida para grandes centros urbanos ou para o inferno dos canaviais por parte de nossos jovens, despreparados que são por conta de uma educação rural inadequada e precária, pela corrupção que extravia os recursos dos municípios do interior, pela falta de programas de geração de emprego qualificado no meio rural ou simplesmente de apoio técnico à consolidação da agricultura familiar.
Nos dói constatar que um modelo tão desumano esteja ainda amparado em políticas do Estado ou respaldado por decisões do Judiciário, provocando o resultado de sempre: quem tem mais acumula ainda mais, e quem tem menos continua se afundando.
Frente a isso não desanimamos. Com a força da nossa organização, assumimos o olhar destemido e o evangelismo irredutível do mártir Josimo, e fazemos nossos os seus sonhos.
Nós nos alegramos com os avanços já realizados em nossas comunidades tais como: experiências de conservação e resgate das sementes tradicionais; organização no associativismo e no cooperativismo em vista da comercialização; divulgação dos sistemas agro-florestais; diversificação saudável da alimentação; garantia da soberania e segurança alimentar na comunidade; aproveitamento e valorização dos produtos nativos; formação integral dos jovens; fortalecimento da organização das mulheres; construção de um sistema alternativa de educação do campo; resgate das culturas camponesas.
Continuaremos fazendo de nossas comunidades espaços de protagonismo, de cuidado e de solidariedade com a criação: na defesa das florestas, dos rios, do ar, das pessoas; no respeito e no cultivo da diversidade; na promoção de uma agricultura familiar e ecológica e de uma economia solidária.
        Celebrando o jubileu do seu martírio, ainda no tempo da Paixão do mártir Jesus, reafirmamos que Josimo vive na esperança do povo que hoje escuta e dá continuidade ao seu legado cristão libertador. Como Igreja, não queremos esquecer essa memória. Sua mensagem continua vivíssima e sua vida um exemplo para as novas gerações (cuja participação foi significativa neste nosso encontro). As lembranças, os fatos, as palavras do nosso irmão são, para nós, testemunho de um amor muito maior do que a perseguição e a morte; e, ao mesmo tempo, de juízo sobre a história e de compromisso renovado na luta pelo Reino de Justiça que é Reino de Deus. Continuaremos lutando para defender a dignidade humana; procurando eliminar as formas de opressão existentes; denunciando as diversas injustiças sociais. Instruindo, conscientizando, iluminando nosso povo para que ele acorde, enxergue a verdade, re-adquira sua dignidade e se mobilize para sua libertação e, assim, procure fomentar uma nova sociedade conforme ao plano de Deus sobre o homem e sobre o mundo.


Xavier J.M. Plassat - CPT, Campanha contra o Trabalho Escravo
Rua Porto Alegre, 446 - ARAGUAÍNA - TO 77.807-070
Tel/fax: +55 63 3412 3200 & 3664 - Cel. 9221 9957


Augustinópolis, 6 e 7 de maio de 2011
Os e as participantes da Semana da Terra Padre Josimo – III Seminário sobre Aquecimento Global e Economia Solidária – III feira da Agricultura Familiar – I Encontro de Pescadores e Aqüiculturas familiares do Bico do Papagaio.