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O DEUS QUE ESTÁ EM MIM, SAÚDA O DEUS QUE ESTÁ EM VOCÊ

TEATRO POPULAR COMUNITÁRIO: Da concepção pastoral à estética política que transforma
Relatos de uma experiência artístico-cultural, estético-pastoral, por uma prática popular transformadora

Nada é impossível de Mudar
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar."
Bertold Brecht

Por João Mario Sales da Silva

 
        A idéia do fazer teatral sempre esteve presente em nossas atividades pastorais, nos encontros, nas celebrações, nas performances e no cotidiano das comunidades cristãs. As possibilidades do vir-a-ser, passaram a integrar o turbilhão de propostas que começaram a engrenar esse novo olhar em construção. As palavras-chave eram pastoral, grupo, organização, comunitário, mensagem, conscientização, coletivo, cultura política, em fim, tudo que lembrasse popular, povo.
     Com o nosso engajamento em iniciativas locais, no campo da cidadania, cultura, moradia, defesa dos direitos das crianças e adolescentes, ecologia e saúde, optamos por uma vertente pastoral, uma vez que estávamos dentro das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Daí, teatro pastoral comunitário, o TPC em seu primeiro formato.
        Com a experiência do ator e diretor Ney Nunes e minha insistência prosaica e pedante, organizamos e idealizamos um projeto de teatro, do qual ajudasse as lideranças das comunidades em seu trabalho pastoral, e não puramente em montagens de espetáculos por espetáculos e só. Iniciou-se assim um processo estético-pedagógico de formação para o teatro e para o trabalho pastoral. Público-alvo: os jovens. Nossa surpresa: Participantes de várias faixas etárias, o que enriqueceu o processo. Ainda não tínhamos a dimensão exata do produto cultural que dali surgia, vieram as parcerias. O apoio das cinco comunidades católicas, São João Batista, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora de Fátima, São Vicente de Paulo e São José Operário. Estas comunidades formavam as CEBs do Parque Novo Mundo, articuladas por um Conselho Pastoral e Arquidiocese de São Paulo. As filhas da caridade ou Irmãs Vicentinas com seus Núcleos Sócio Educativos (Hoje CCA, Centro para Criança e Adolescentes) e Frei Peter Paul, frade agostiniano responsável por estas comunidades.
        Aproximadamente participaram, neste primeiro momento, cerca de 30 jovens, que conosco se aventuraram neste mar de inquietações. A primeira oportunidade de montagem veio com uma peça de Natal, com esquetes de improviso, criados com exercícios nas oficinas. “O Natal em família”, apresentada para as comunidades na Missa de Natal de 2002. A partir daí, a confiança no trabalho foi crescendo e então se iniciou a produção do espetáculo da Paixão para 2003. “Auto da Paixão: Os Setes Sinais e as Sete palavras de Cristo na Cruz”, com texto e direção de Ney Nunes. Em 2004 produzimos “O Nazareno”, 2005 renovamos o Auto da Paixão. Havia muitas expectativas em torno da primeira montagem, algumas lideranças não receberam bem o projeto, e teceram muitos comentários maldosos com a intenção de denegrir nossa imagem, e constranger os participantes. Então, essa produção passou a ser questão de honra, e o grupo mesmo fez esta opção, “vestiram a camisa”. Graças a Deus, o espetáculo foi um sucesso, bem avaliado pelas comunidades e suas lideranças bem intencionadas.
         Com as montagens para a sexta-feira da paixão, fomos percebendo que o trabalho cogitava algumas idéias bastante pertinentes. Uma dessas idéias era o pressuposto de Grupo, Identidade, estética, organização e Missão. O Grupo quis encarar a montagem da paixão, como questão de honra, ou seja, fazemos ou fazemos, não tem mais jeito de voltar à trás. Isso foi opção política, vestiram a camisa quando foi preciso defender. Considero uma decisão inconsciente, porém sugeriu uma nova organização ideológica de grupo teatral, com uma identidade clara e estética que definisse nossa missão enquanto grupo. São os primeiros sinais do teatro popular, voltado para a conscientização e formação de público para o teatro.
        A cosmovisão que surgia, acendia na gente a vontade do estudo, do aprofundamento, da pesquisa e formulação de nossa estética. O grupo foi mudando, criando assim um núcleo que o promovia, e montagens posteriores da paixão aconteceram, inclusive “O Nazareno”, texto mais político de Frei Lency Smaniotto, que mostra um Cristo mais Humano, um Cristo Histórico. Depois, veio uma produção arrojada com o “Testemunho dos Onze”, criação coletiva e roteiro e direção de Ney Nunes, uma feliz atualização da prática libertadora de Jesus presentes em santas testemunhas que deram suas vidas pela vida do Cristo ressuscitado.
        As inquietações nos provocavam à medida que refletíamos. Acostuma-nos a fazer teatro apenas por questão de honra, e isso não se enquadrava na forma de fazer teatro nem pastoral e nem popular. Percebemos que o mundo era maior que o Parque Novo Mundo. Que o teatro é a arte mais antiga da humanidade, por tanto, o povo necessitava de ferramentas que o ajudasse a vencer suas opressões cotidianas, que transformasse as mentalidades fragmentadas e ignorantes da cultura. O Grupo diminuiu e durante as oficinas, criaram-se esquetes individuais para serem apresentadas para a comunidade em dia fechado, foi interessante, pois expôs o trabalho vigente naquela ocasião e desmistificou a idéia que o TPC só montava teatro religioso.
     Precisávamos montar um espetáculo mais politizado e contextualizado. Imbuídos deste conceito e conscientes da realidade, em 2008, montou-se “A luta pelo Verde”, texto e direção de Ney Nunes e co-direção de Adelso Alexandre. Foi um momento de autogestão na produção, 100% independente. O grupo atentava-se não só para a realidade local, mas demonstrava sua interconexão com o mundo. Esta peça estreou no anfiteatro da Biblioteca Pública Álvares de Azevedo. Teve uma aceitação crítica considerável, a ponto de a jornalista Rosi Cheque publicar uma nota favorável a este trabalho. Também foi apresentada em praças públicas, e em seguida entramos em cartaz no Circuito “Toda terça tem” da Secretaria Municipal de Cultura, apresentando em espaços como o Teatro Martins Pena, na Penha, Arthur Azevedo na Mooca, Alfredo Mesquita na Avenida Santos Dummont e no teatro Ruth Rocha do Centro Cultural da Juventude-CCJ na Vila Nova Cachoeirinha.
        A conflitividade em nenhum momento foi negativa, ao contrário, enriqueceu o processo. A experiência religiosa contribuiu para o caminho que queríamos percorrer, afinal, estávamos todos engajados nas comunidades cristãs. O avanço esteve no dialogo, no desejo do belo, do verdadeiro, do sagrado momento de soltar a criatividade e experimentar. Daí Teatro Popular Comunitário, o TPC em seu formato mais abrangente, com a arte a serviço da caminhada das comunidades e comprometido com sua transformação social, por um “Outro Mundo Possível...”